O Perigo das Reviews
- Metelo
- 30 de dez. de 2018
- 5 min de leitura
Antes de mais nada, Feliz Natal e próspero Ano Novo para todos. Infelizmente com o Natal e a criançada fora de controle perdi o post da quarta feira. Vamos ver como será a farra do Ano Novo para ver se consigo sentar e preparar um post para a próxima quarta. Sem mais enrolação vamos ao tópico de hoje, o perigo escondido dentro das reviews de board games.
Se você já viu e leu muita review de jogos, você já deve ter notado, que em geral, reviews de jogos tendem a ter notas mais altas que as notas dadas a um jogo aleatório. Existem bons motivos para isso ocorrer. Note que falo isso tendo culpa no cartório, pois minhas reviews também apresentam jogos que tenho uma opinião mais favorável que um jogo qualquer aleatório.
Antes de discutir o motivo da avaliação inflacionada, quero explicar rapidamente como eu avalio jogos. Como adoro o método K.I.S.S. (keep it simple, stupid) eu sigo a escala de valores recomendada no BGG. Ela é universalmente conhecida no Hobby e é extremamente simples de explicar. Um jogo recebe uma nota de 1 a 10 seguindo essas regrinhas:
10 - Outstanding - will always enjoy playing and expect this will never change.
9 - Excellent - always enjoy playing it.
8 - Very good - enjoy playing and would suggest it.
7 - Good - usually willing to play.
6 - Ok - will play if in the mood.
5 - Average - Slightly boring, take it or leave it.
4 - Not so good - but could play again.
3 - Bad - likely won't play this again.
2 - Very bad - won't play ever again.
1 - Awful - defies game description.
Considerando a base de jogos do BGG com jogos com notas para mais de 16.500 jogos - Jogo da Velha é o último colocado. Com esses dados podemos chegar a algumas conclusões interessantes baseadas em alguma propriedades existente em estatística. Pelo teorema do limite central diz que o total de votos de todos os jogos combinados deverá ter uma distribuição normal. De fato é isso que ocorre quando montamos o histograma de todos os votos no BGG. E mais ainda, pelo mesmo teorema sabemos que a média das médias deve ser igual a média global das notas, e que a mesa e próxima de 7.

Resolvi comparar esse dado com as notas que eu dei para os vário jogos em minha coleção e com pouco mais de 500 notas já dava para notar um padrão semelhante. Estatística é uma área incrível da matemática, apesar de muitas vezes mal compreendida.
Outro fato interessante ao olhar a minha distribuição de notas é que minha nota média é 5, consideravelmente mais baixa que a média global do BGG. Realmente, parece que eu sou muito jaded e desiludido com o mundo, e por isso parece que tenho a tendência de achar uma parcela enorme dos jogos simplesmente OK, senão um tanto chato.

E assim chegamos no primeiro grande perigo das reviews de jogos: eu como autor, vou preferir fazer uma review de um jogo que eu realmente goste, e esteja empolgado do que um jogo simplesmente OK. Um fato engraçado a se considerar é que reviews de jogos que consideramos péssimos podem ser interessantes, e em geral engraçadas pela forma como o autor expressa o seu desgosto pelo jogo.
Não precisa ir longe, basta olhar as minhas reviews neste blog. A média das notas dos jogos no blog é próxima de 9, enquanto a média da nota de todos os jogos é 5. Uma diferença enorme, mas facilmente explicada pelo aspecto motivacional para fazer todo o trabalho da review. E isso tudo sem levar em conta potencial ganhos financeiros ou de outro tipo.
Na verdade, o aspecto financeiro que se torna o próximo perigo que existe dentro das reviews. Quase todas as editoras do mundo enviam cópias de cortesia para formadores de opinião. Raramente essas cópias não são condicionadas a uma review formal, antes ou próxima ao lançamento do jogo para o público consumidor. O problema vira a expectativa da editora de ter review positiva para tais jogos e a ameaça de não mais fornecer cópias de cortesia em caso de uma review questionando a qualidade do jogo, ou pior ainda, com nota baixa. Nesse momento começa o conflito de interesse: ganhar jogos grátis para fazer reviews mais favoráveis, e manter o ciclo virtuoso, ou expressar a verdadeira opinião e correr o risco de ser excluído do clubinho. Nessa hora, existe uma forma fácil de resolver essa questão. Bastaria uma simples declaração que a revisão é feita com cópias de cortesia provida pela editora para a audiência saber que a review não é necessariamente imparcial.
Mas infelizmente, esse problema não termina em cópias de cortesia. Atualmente muitas editoras, especialmente com projetos no KS (Kickstarter), pagam pela review do jogo por autores com grande base de seguidores. Por exemplo, recentemente a Dice Tower começou a fazer exatamente isso. Felizmente, no começo da review eles avisam que é uma review paga, e você assiste sabendo o que esperar da avaliação do jogo.

Falando em Dice tower, preciso dar crédito ao Tom Vasel, pois ele é inundado com cópias gratuitas de jogos para review, e faz questão de escolher quais jogos ele vai fazer a review. E mais importante, ele dá a nota que ele acha que o jogo merece na opinião dele, sendo apenas afetado pela sua parcialidade por um jogo ou outro.
Isso nos leva a grande consequência da questão levantada nesse post: Como avaliar a informação contida em uma review se não temos certeza se a avaliação final é imparcial ou não?
Para responder, vou basear na minha experiência, e não necessariamente uma verdade universal. O primeiro passo é ler/ver reviews do autor de jogos que você já conhece. Assim você vai entender as preferências dele e saber mapear para as suas, permitindo você ter uma boa ideia do que você irá achar de jogo baseado na review feita pelo autor, assim como entender a razão dos comentários feitos pelo autor. Em geral, desconsiderar qualquer nota dada por ele, pois em geral será muito alta por um dos fatores citados acima.
Usando a Dice Tower como exemplo, eu sei que o Tom Vasel e eu temos gosto similares no Ameritrash, mas nos euros somos diametralmente opostos. Logo quando ele faz a review de um euro, em geral quando ele dá a recomendação mais alta da Dice Tower, eu acabo não gostando do jogo. Já o Sam Healey tem um gosto muito parecido com o meu, então as reviews dele alinham bem com o meu gosto. Por último, acho que até hoje não me interessei por nenhum jogo que Zee Garcia faz a review. Dessa forma, ao ver a review da Dice Tower eu tenho uma boa ideia se o jogo é para mim ou não. O método não é preciso 100% das vezes, mas é o bastante para filtrar os lançamentos para um tamanho gerenciável para então formar a opinião sobre os jogos que me interessaram.
Uma vez filtrados candidatos que despertaram a curiosidade, eu recomendo ler o manual de regras desses jogos, e se possível jogar uma partida antes de decidir a compra ou não. Eu sei, pode ser muito difícil conseguir jogar um lançamento antes de comprar o jogo, mas a leitura do manual e bem fácil, pois em geral eles estão disponíveis no BGG e ou site da editora. Com o passar do tempo e o aumento do número de manuais lidos, você será capaz de dizer se vai ou não gostar do jogo com base nessa leitura do manual de regras.
De verdade, seria muito útil se todos os autores de review de jogos fizessem um disclaimer como a Dice Tower faz, dizendo se é cópia própria, fornecida por editora, ou se está sendo pago para a review. Mas como consumidores, tanto do conteúdo como do jogo, devemos entender quão parcial ou imparcial o conteúdo é, e usar múltiplas fontes para chegarmos a nossa própria opinião baseado em nossas preferências se um jogo é ou não é um bom jogo para o nosso gosto e preferência.
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